quarta-feira, 5 de maio de 2010

Cozinheiro Costa Mágica - Felipe

Fui contratado pra trabalhar como terceiro confeiteiro na Costa Cruciere. Cheguei em Palermo para embarcar no Costa Mágica no período que eles chamam de Dry Dock, quando o navio fica fora de funcionamento para passageiros, só reformando.
No primeiro dia de trabalho tive um pouco de dificuldade para entender as pessoas, pois na cozinha a maioria é de indianos e filipinos, e o sotaque deles é realmente difícil de entender a principio, ou então eles tem boa pronuncia, mas falam tão rápido que quando você entende a primeira palavra ele já está no fim da frase... Mas tudo bem, trabalhei pouco na confeitaria propriamente dita nessa semana, pois fazíamos apenas alguns bolos para sobremesa da tripulação. Trabalhávamos eu e outras duas meninas brasileiras que estavam na mesma situação que eu (de recém embarcado como third pastry), umas 8 horas por dia, metade do período confeitando bolos para sobremesa da tripulação e a outra metade trabalhando no crew mess (o restaurante da tripulação), um trabalho super suave, nada de muito diferente do que se trabalha em terra.
Até aí eu estava super feliz e tranqüilo achando que minha vida seria aquela facilidade toda dentro do navio. Depois que a semana de dry dock acabou, o Capo (chefe) da pastry nos mostrou onde trabalharíamos e como seria o trabalho e tudo mais...
Começou o crossing (travessia de oceano) e começamos a trabalhar de verdade. O capo delegou as funções dos confeiteiros numa reunião no primeiro dia de trabalho, e me informaram que devido a eu ser o ultimo homem embarcado na pastry eu seria responsável pela Cambuza, ou seja (se ferrou) tinha que cuidar de buscar todo o estoque da confeitaria para que todos os outros pudessem trabalhar. Fora isso ainda era responsável por algumas atividades dentro da própria confeitaria e responsável pela limpeza de uma área especifica da confeitaria.
O que eu tinha que buscar diariamente na Cambuza (estoque) basicamente eram, 200 litros de leite, 200 litros de creme de leite, 75 kg de farinha de trigo, 100 kg de açúcar... fora os outros tantos ingredientes que formavam uma lista gigantesca diária.
Quando terminasse de fazer todo o trabalho de estoque era responsável por fazer algumas preparações e principalmente ajudar na linha de montagem de pratos, para almoço e jantar, o que era aproximadamente 500 pratos por período (almoço e jantar), e servir sorvete em taças para que os garçons levassem para o salão.
No fim do dia de trabalho, eu era responsável por lavar a câmara frigorífica da confeitaria, ou seja, ter que lavar um chão de um lugar que ficava constantemente a -20ºC, tinha que jogar muita água quente e puxar o mais rápido possível para que não congelasse o chão. Isso em dias normais de faxina, quando havia General Cleaning era muito pior, a limpeza era profunda.
Apesar de trabalhar muito tinha momentos de descontração dentro da confeitaria, era um ambiente bom de se trabalhar muitas vezes, mas a canseira era muito maior que a diversão. Quando você entra no navio eles te dizem que você não pode trabalhar mais de 11 horas diárias, mas não sonhe que eles querem que você faça somente suas horas e vá embora, a media de horas trabalhadas diárias é de 14 horas. Entrava as 8hrs ficava até as 14hrs, fazia um break até as 16:30, e trabalhava normalmente até as 2hrs da manhã. As vezes fazendo breaks de 30 minutos para almoço e jantar. Nos dias de muito trabalho íamos até depois das 3hrs e não tínhamos praticamente nem uma hora de break durante a tarde, caso de Natal e Ano Novo.
Meu primeiro mês foi bem difícil, quando cheguei em casa para uma visita tive vontade de nunca mais voltar para o navio, mas com o tempo fui acostumando e já tinha minha rotina tranqüila dentro do navio, de um jeito ou de outro você acaba acostumando.
Mas ao completar 2 meses de embarcado comecei a sentir fortes dores nas costas, fiquei uma semana sem trabalhar dentro do navio tomando injeções antiinflamatórias e para aliviar as dores, não tive sequer um pouco de melhora e me desembarcaram para tratamento medico. Em terra fiz exames e descobri que adquiri em 2 meses de trabalho pesado 3 hérnias de disco, que provavelmente será preciso uma operação para que eu possa voltar a poder trabalhar e ter uma vida normal.
O tratamento é pago pela Costa, mas estou desembarcado desde o começo de janeiro e ainda não comecei a fazer tratamento algum pois eles estão segurando meu tratamento... também estão me mandando cheques de pagamento relativo a uma porcentagem do meu salário, cheques que são quase impossíveis de serem descontados (e que ainda não consegui descontá-los). Você me pergunta se valeu a pena ir trabalhar em navio depois de ficar travado das costas e mal ter um suporte da companhia... Eu digo que valeu a pena, pois esses meses que passei a bordo do Costa Mágica foram preciosos para meu crescimento pessoal e profissional, aprendi muita coisa e conheci muita gente boa lá dentro, brasileiros, indianos, filipinos, italianos, indonesianos, chineses, gente pra cacete que nunca teria conhecido.
Mas nem todos têm o azar que tive de ser obrigado a sair do navio, o caso da Seila, por exemplo, é um dos bons exemplos de quem embarcou, trabalho muito e aproveitou.
Não criem expectativas e/ou medos por historias contadas a vocês.
Criem sua própria historia a bordo e depois venham contar aqui pra Seila tudo o que você viveu.

=D


Felipe Mentiaca


O Felipe estudou na mesma faculdade que eu em Campos do Jordão no SENAC, ele fez Gastronomia e nós moramos numa república, junto com a Roberta que também fez Gastronomia, a única isolada quem fez Hotelaria fui Eu. Mais tarde quando fui fazer os cursos e as entrevistas em Santos ele me deu “asilo”, pois morava em Santos. E quando eu voltei do navio ele tomou coragem pra embarcar nessa também!
Felipe me disse um dia, pouco antes de eu terminar a faculdade, que ele achava que as amizades não são mais as mesmas conforme o tempo passa... Eu disse a ele que depende de cada um, e que o mundo dá muitas voltas.
Hoje 5 anos depois da minha formatura, ele me ajudou a embarcar no Navio e ainda fez um depoimento da sua experiência a bordo especialmente para eu postar no meu blog.

Obrigada Fê!

3 comentários:

Desbaguncando disse...

tá num me embrenhei em navio como vcs dois...mas fiz parte da nossa pequena e maluca família que por um ano se divertiu e viveu de tudo junto...deu uma saudade!

Bjóka

Anônimo disse...

eu não lembrava desse comentario que vc citou Seilinha, mas se vc diz eu acredito... ainda bem que minha teoria não se confirmou nesse caso...
precisando de qlqr coisa vc sabe que to sempre aqui.
bjão.
=*

Anônimo disse...

Meu nome é Luana, encontrei seu blog hoje, e estudo hotelaria na anhembi morumbi, meu professor já tinha dito que trabalho em navio é muito MUITO pesado e que se trabalha cerca de 14 horas por dia, mas disse também que é uma boa oportunidade de ganhar um bom dinheiro... Gostei do seu blog, e de como vc conta suas experiências.